Blade Runner 2049: Literalmente nós!

Os anos se passam e um filme lançado em 2017 continua sendo uma das obras mais geniais e profundas já lançadas. Estamos falando de Blade Runner 2049, uma continuação do primeiro Blade Runner lançado em 1982. Toda a temática desse filme é algo que se ramifica em vários assuntos que podem ser discutidos e aprofundados, cada um a sua maneira. Não só a temática da obra traz tanto pano pra manga pra que continuemos falando dela, como também podemos destacar seu lado cinematográfico.

Pois o que o diretor Denis Villeneuve fez nesse filme é impressionante. Todos os enquadramentos, as transições, a trilha sonora e a ambientação, fazem o longa parecer um quadro em movimento se desenhando de dentro da sua TV. Claro, o filme tem certos defeitos, tanto narrativos quanto de direção. Mas nada que ofusque a glória do todo. Então vamos hoje dar um passeio por essa obra praticamente atemporal, Blade Runner 2049. Lembrando que haverá spoilers nesse artigo!

Um futuro nada improvável

Blade Runner 2049
Créditos: Columbia Pictures / Warner Bros. Pictures

O longa começa com um arco bastante interessante que já nos traz um assunto que pode desaguar em muitos outros. De cara vemos uma área rural, mas não como estamos acostumados hoje. Vemos um lugar completamente deserto e empoeirado, onde nenhuma planta parece crescer. E nisso acompanhamos o protagonista chamado inicialmente de detetive K. Mas esse não é o nome dele, é uma letra do seu número de série, pois K não é um humano, ele é um Replicante, que nada mais é do que um android extremamente idêntico aos humanos em questão de aparência e outras pequenas coisas. Mas que essencialmente são robôs que não nasceram, foram criados, e esse é um dos temas centrais da trama.

K é um blade runner, que são replicantes obedientes incumbidos de matar outros replicantes que a humanidade considera rebeldes. E nessa primeira cena vemos um desses supostos rebeldes que cuidava de uma fazenda. Mas não uma fazenda de plantas ou animais. Uma fazenda de insetos e larvas, que no filme, representa praticamente toda a fonte de proteína disponível para a população mundial. Um paralelo que já podemos traçar com a nossa realidade. Já que atualmente vivemos o que alguns chamariam de o início de um colapso climático.

Poeira e insetos

A poeira que invade as casas, assim como na grande obra Interstelar, representa uma total destruição dos solos, que hoje em dia é promovida por vários setores da nossa economia. Como a indústria agropecuária, que queima e destrói florestas inteiras para poder criar gado e fazer monocultura. Algo que já está causando tempestades de poeira em certos lugares do mundo onde não haviam tais fenômenos. Outro ponto é o dos insetos que servem como alimento. Que na vida real é algo que já está sendo testado.

Um exemplo vêm daqui mesmo no Brasil de 2024, onde já estão cogitando introduzir farinha de grilo para preparar alimentos e suprir a população com essa proteína. Uma das razões pra essa tendência estar acontecendo, vem do fato de que a população mundial vêm crescendo, mas não só isso. Vem também do fato de que nossas formas atuais de produção de alimento, principalmente carne, vêm destruindo a natureza em um ritmo brutal e crescente.

Uma cidade em decadência

blade runner 2049
Créditos: Columbia Pictures / Warner Bros. Pictures

Mais pra frente somos apresentados a cidade do filme. Que é uma representação cyberpunk da cidade de Los Angeles. Tudo o que vemos é um lugar escuro e sombrio onde todas as cores vêm apenas de hologramas e leds. Uma possível metáfora para o fato de estarmos perdendo a conexão com o lado belo do mundo real atual, tentando substituir isso por um belo artificial e vazio. E logo somos apresentados a rotina de K nessa cidade. Onde sua vida se resume em trabalhar para humanos que o odeiam e voltar para sua casa vazia e cinza enquanto tenta evitar olhar nos olhos das pessoas, que estão sempre o descriminando.

Mas há algo que traz sentido para sua existência, Joi, sua namorada. Joi não é uma replicante nem uma humana. Ela é um holograma fruto de um produto projetado para lucrar em cima da solidão das pessoas daquele mundo, especialmente homens. K tem uma relação profunda com Joi, já que ela é a única conexão que ele tem com alguém que o respeita e quer seu bem. E logo podemos ver que ele de fato se apaixonou por ela.

Um toque de almas

Mesmo sem poder tocá-la, ele tenta se convencer de que tudo aquilo é real, de que a Joi é uma garota real. E essa camada do filme é bastante interessante por tocar novamente em fenômenos que estão se desenrolando no nosso mundo real. Podemos usar de exemplo o Japão, que atualmente vem apresentando graves problemas de natalidade. Por causa de um simples fato. Os japoneses não querem mais se relacionar com outros humanos. Na verdade é mais complexo do que isso, mas simplificando. No Japão a cultura impõe uma série de barreiras que atrapalham não só o início, mas a manutenção de um relacionamento saudável entre humanos. Por isso os japoneses acabam por optar por se satisfazerem sozinhos. Uma tendência que criou e cria vários e vários produtos feitos para preencher esse vazio.

O que é real? O que define, real?

blade runner 2049
Créditos: Columbia Pictures / Warner Bros. Pictures

Toda a relação de K com Joi se desenvolve mais ainda conforme o plot do filme avança. Pois K está investigando um possível nascimento de um replicante, nascido do ventre de outra replicante. Algo que iria provar que os androids são mais do que máquinas feitas para serem escravizadas, iria provar que elas tem alma, uma palavra profunda usada com sabedoria no filme. E em um dado momento, K junta mais pistas que apontam para uma direção, ele mesmo. Até ali, K acha que ele é o escolhido, o filho nascido do ventre de uma replicante, a prova viva que traria luz aos dias obscuros das máquinas. Nesse momento, sua namorada tenta dar a ele todo o apoio, dizendo que ela sempre soube que ele era especial. E diz que um garoto real merece um nome real, e batiza K com um nome. Joe.

Também temos uma cena onde Joi se sincroniza com outra replicante que mais cedo no filme tenta flertar com o protagonista. Essa replicante entra no apartamento dele e Joi dá essa ideia de sincronização. Onde ela irá ajustar seu holograma no corpo da jovem para que os movimentos fiquem parecidos, e assim finalmente Joe possa tocar em sua paixão. Essa cena, dependendo da lente, pode representar várias camadas de metáforas, onde uma robô holograma, precisa usar uma replicante com corpo físico para se relacionar com outro replicante. Uma demostração de que a realidade já se fragmentou em vários níveis onde já é difícil alcançar o que é real e humano. Já que nem os humanos que vemos no filme parecem mais estarem conectados com a própria humanidade.

Um filme autoral de 150 milhões de dólares

Não só o já citado diretor Denis Villeneuve, mas também toda a equipe de produção, fizeram desse filme algo esplêndido. Mas também devemos citar os grandes atores Ryan Gosling, Ana de Armas, Sylvia Hoeks, Jared Leto, Harrison Ford entre outros. Todo o filme parece ter sido produzido e pensado por artistas que tinham uma mensagem para passar. Não é possível sentir a mão dos acionistas e engravatados opinando como o filme deve ser para atrair mais público. Blade Runner 2049 foi um dos poucos longas feitos e pensados 100% por artistas. E isso nos trouxe uma obra prima que nos proporciona takes amplos que enchem os olhos dos entusiastas por cinematografia.

Também temos uma fotografia que em certas partes parecem quadros, com cada elemento na tela não só posicionados de forma a harmoniosamente se mostrar, mas também colocados ali para contar histórias e enriquecer o enredo com detalhes. E além disso tudo, o enredo nos trás não só uma continuação para o filme de 1982, que parece ter agradado aos fãs do mesmo. Mas também nos traz várias discussões sobre o mundo de Blade Runner e como ele se conecta ao nosso. E uma das maiores é a discussão do que é real e humano.

Blade Runner 2049 e a definição de alma

Para algo ser real, precisa ter alma? A paixão de Joi por Joe, era somente parte da programação dela que foi feita para agradar aos clientes, e assim ela viu que ele era mais romântico e decidiu agir de forma a fingir amá-lo? E se essa pergunta é válida, quer dizer que consideramos os próprios sentimentos de Joe reais? Visto que ele também é uma máquina? Estamos vendo a evolução das inteligências artificiais e como elas estão ficando cada vez melhores em nos imitar. Podemos dizer que o quadro da Mona Lisa tem a alma do Leonardo da Vinci, pois ela tem parte da vida e da humanidade do artista impressa nos traços e na ideia central da obra. Será que um dia veremos alma em uma pintura feita por uma máquina? E é por essas e outras discussões que Blade Runner 2049 é um diamante que tocou uma geração inteira!

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Blade Runner 2049: Literalmente nós!

Os anos se passam e um filme lançado em 2017 continua sendo uma das obras mais geniais e profundas já lançadas. Estamos falando de Blade Runner 2049, uma continuação do primeiro Blade Runner lançado em 1982. Toda a temática desse filme é algo que se ramifica em vários assuntos que podem ser discutidos e aprofundados, cada um a sua maneira. Não só a temática da obra traz tanto pano pra manga pra que continuemos falando dela, como também podemos destacar seu lado cinematográfico.

Pois o que o diretor Denis Villeneuve fez nesse filme é impressionante. Todos os enquadramentos, as transições, a trilha sonora e a ambientação, fazem o longa parecer um quadro em movimento se desenhando de dentro da sua TV. Claro, o filme tem certos defeitos, tanto narrativos quanto de direção. Mas nada que ofusque a glória do todo. Então vamos hoje dar um passeio por essa obra praticamente atemporal, Blade Runner 2049. Lembrando que haverá spoilers nesse artigo!

Um futuro nada improvável

Blade Runner 2049
Créditos: Columbia Pictures / Warner Bros. Pictures

O longa começa com um arco bastante interessante que já nos traz um assunto que pode desaguar em muitos outros. De cara vemos uma área rural, mas não como estamos acostumados hoje. Vemos um lugar completamente deserto e empoeirado, onde nenhuma planta parece crescer. E nisso acompanhamos o protagonista chamado inicialmente de detetive K. Mas esse não é o nome dele, é uma letra do seu número de série, pois K não é um humano, ele é um Replicante, que nada mais é do que um android extremamente idêntico aos humanos em questão de aparência e outras pequenas coisas. Mas que essencialmente são robôs que não nasceram, foram criados, e esse é um dos temas centrais da trama.

K é um blade runner, que são replicantes obedientes incumbidos de matar outros replicantes que a humanidade considera rebeldes. E nessa primeira cena vemos um desses supostos rebeldes que cuidava de uma fazenda. Mas não uma fazenda de plantas ou animais. Uma fazenda de insetos e larvas, que no filme, representa praticamente toda a fonte de proteína disponível para a população mundial. Um paralelo que já podemos traçar com a nossa realidade. Já que atualmente vivemos o que alguns chamariam de o início de um colapso climático.

Poeira e insetos

A poeira que invade as casas, assim como na grande obra Interstelar, representa uma total destruição dos solos, que hoje em dia é promovida por vários setores da nossa economia. Como a indústria agropecuária, que queima e destrói florestas inteiras para poder criar gado e fazer monocultura. Algo que já está causando tempestades de poeira em certos lugares do mundo onde não haviam tais fenômenos. Outro ponto é o dos insetos que servem como alimento. Que na vida real é algo que já está sendo testado.

Um exemplo vêm daqui mesmo no Brasil de 2024, onde já estão cogitando introduzir farinha de grilo para preparar alimentos e suprir a população com essa proteína. Uma das razões pra essa tendência estar acontecendo, vem do fato de que a população mundial vêm crescendo, mas não só isso. Vem também do fato de que nossas formas atuais de produção de alimento, principalmente carne, vêm destruindo a natureza em um ritmo brutal e crescente.

Uma cidade em decadência

blade runner 2049
Créditos: Columbia Pictures / Warner Bros. Pictures

Mais pra frente somos apresentados a cidade do filme. Que é uma representação cyberpunk da cidade de Los Angeles. Tudo o que vemos é um lugar escuro e sombrio onde todas as cores vêm apenas de hologramas e leds. Uma possível metáfora para o fato de estarmos perdendo a conexão com o lado belo do mundo real atual, tentando substituir isso por um belo artificial e vazio. E logo somos apresentados a rotina de K nessa cidade. Onde sua vida se resume em trabalhar para humanos que o odeiam e voltar para sua casa vazia e cinza enquanto tenta evitar olhar nos olhos das pessoas, que estão sempre o descriminando.

Mas há algo que traz sentido para sua existência, Joi, sua namorada. Joi não é uma replicante nem uma humana. Ela é um holograma fruto de um produto projetado para lucrar em cima da solidão das pessoas daquele mundo, especialmente homens. K tem uma relação profunda com Joi, já que ela é a única conexão que ele tem com alguém que o respeita e quer seu bem. E logo podemos ver que ele de fato se apaixonou por ela.

Um toque de almas

Mesmo sem poder tocá-la, ele tenta se convencer de que tudo aquilo é real, de que a Joi é uma garota real. E essa camada do filme é bastante interessante por tocar novamente em fenômenos que estão se desenrolando no nosso mundo real. Podemos usar de exemplo o Japão, que atualmente vem apresentando graves problemas de natalidade. Por causa de um simples fato. Os japoneses não querem mais se relacionar com outros humanos. Na verdade é mais complexo do que isso, mas simplificando. No Japão a cultura impõe uma série de barreiras que atrapalham não só o início, mas a manutenção de um relacionamento saudável entre humanos. Por isso os japoneses acabam por optar por se satisfazerem sozinhos. Uma tendência que criou e cria vários e vários produtos feitos para preencher esse vazio.

O que é real? O que define, real?

blade runner 2049
Créditos: Columbia Pictures / Warner Bros. Pictures

Toda a relação de K com Joi se desenvolve mais ainda conforme o plot do filme avança. Pois K está investigando um possível nascimento de um replicante, nascido do ventre de outra replicante. Algo que iria provar que os androids são mais do que máquinas feitas para serem escravizadas, iria provar que elas tem alma, uma palavra profunda usada com sabedoria no filme. E em um dado momento, K junta mais pistas que apontam para uma direção, ele mesmo. Até ali, K acha que ele é o escolhido, o filho nascido do ventre de uma replicante, a prova viva que traria luz aos dias obscuros das máquinas. Nesse momento, sua namorada tenta dar a ele todo o apoio, dizendo que ela sempre soube que ele era especial. E diz que um garoto real merece um nome real, e batiza K com um nome. Joe.

Também temos uma cena onde Joi se sincroniza com outra replicante que mais cedo no filme tenta flertar com o protagonista. Essa replicante entra no apartamento dele e Joi dá essa ideia de sincronização. Onde ela irá ajustar seu holograma no corpo da jovem para que os movimentos fiquem parecidos, e assim finalmente Joe possa tocar em sua paixão. Essa cena, dependendo da lente, pode representar várias camadas de metáforas, onde uma robô holograma, precisa usar uma replicante com corpo físico para se relacionar com outro replicante. Uma demostração de que a realidade já se fragmentou em vários níveis onde já é difícil alcançar o que é real e humano. Já que nem os humanos que vemos no filme parecem mais estarem conectados com a própria humanidade.

Um filme autoral de 150 milhões de dólares

Não só o já citado diretor Denis Villeneuve, mas também toda a equipe de produção, fizeram desse filme algo esplêndido. Mas também devemos citar os grandes atores Ryan Gosling, Ana de Armas, Sylvia Hoeks, Jared Leto, Harrison Ford entre outros. Todo o filme parece ter sido produzido e pensado por artistas que tinham uma mensagem para passar. Não é possível sentir a mão dos acionistas e engravatados opinando como o filme deve ser para atrair mais público. Blade Runner 2049 foi um dos poucos longas feitos e pensados 100% por artistas. E isso nos trouxe uma obra prima que nos proporciona takes amplos que enchem os olhos dos entusiastas por cinematografia.

Também temos uma fotografia que em certas partes parecem quadros, com cada elemento na tela não só posicionados de forma a harmoniosamente se mostrar, mas também colocados ali para contar histórias e enriquecer o enredo com detalhes. E além disso tudo, o enredo nos trás não só uma continuação para o filme de 1982, que parece ter agradado aos fãs do mesmo. Mas também nos traz várias discussões sobre o mundo de Blade Runner e como ele se conecta ao nosso. E uma das maiores é a discussão do que é real e humano.

Blade Runner 2049 e a definição de alma

Para algo ser real, precisa ter alma? A paixão de Joi por Joe, era somente parte da programação dela que foi feita para agradar aos clientes, e assim ela viu que ele era mais romântico e decidiu agir de forma a fingir amá-lo? E se essa pergunta é válida, quer dizer que consideramos os próprios sentimentos de Joe reais? Visto que ele também é uma máquina? Estamos vendo a evolução das inteligências artificiais e como elas estão ficando cada vez melhores em nos imitar. Podemos dizer que o quadro da Mona Lisa tem a alma do Leonardo da Vinci, pois ela tem parte da vida e da humanidade do artista impressa nos traços e na ideia central da obra. Será que um dia veremos alma em uma pintura feita por uma máquina? E é por essas e outras discussões que Blade Runner 2049 é um diamante que tocou uma geração inteira!

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